segunda-feira, 31 de março de 2008

Bom mesmo


O homem passa por várias fases na sua breve estada neste palco que é o mundo, segundo Shakespeare, que só foi original porque foi o primeiro que disse isso. Muitas coisas distinguem uma fase da outra - a rigidez dos tecidos, o alcance e a elasticidade dos membros, a energia e o que se faz com ela -, mas o que realmente diferencia os estágios da experiência humana sobre a Terra é o que o homem, a casa idade, considera bom mesmo. Melhor que tudo. Bom mesmo.

Um recém-nascido, se pudesse participar articuladamente de uma conversa com homens de outras idades, ouviria pacientemente a opinião de cada um sobre as melhores coisas do mundo e no fim decretaria:
- Conversa. Bom mesmo é mãe.
Já um bebê de mais idade discordaria.
- Bom mesmo é papinha.
Depois de uma certa idade, a escolha do melhor de tudo passa a ser mais difícil. A infância é um viveiro de prazeres. Como comparar, por exemplo, o orgulho com um pião bem lançado, ou o volume voluptoso de uma bola de gude daquelas boas entre os dedos, com cheiro de terra úmida ou de caderno novo? Existem gostos exóticos:
- Bom mesmo é cheiro de Vick Vaporub.
Mas acho que, tirando-se uma média das opiniões dos pré-adolescentes normais e brasileiros, se chegaria fatalmente à conclusão de que, nessa fase, bom mesmo, melhor que tudo, melhor até do que fazer xixi na piscina, é passe de calcanhar que dá certo.
Existe ainda uma fase, no começo da puberdade, em que a indecisão é de outra natureza. O cara se acha na obrigação de pensar que bom mesmo é mulher (no caso prima, que é parecido com mulher), mas no fundo ainda tem a secreta convicção de que bom mesmo é acordar com febre na segunda-feira e não precisar ir à aula. Depois, sim, vem a fase em que não tem conversa:
- Bom mesmo é sexo!
Essa fase dura, para muita gente, até o fim da vida. Mesmo quando sexo não está em primeiro lugar numa escala de preferências (''Pra mim é sexo em primeire e romance policial em segundo, longe'') serve como referência. Daí pra diante, quando alguém disser que ''bom mesmo'' é outra coisa que não o sexo estará sendo exemplarmente honesto ou desconcertantemente honesto.
- Olha, bom mesmo é figado com queijo.
- Melhor do que sexo?
- Bem...Cada coisa na sua hora.
Há quem anuncie o que prefere mesmo como quem faz confissão há muito contida. Abre o jogo e o peito, e não importa que pensem que o sexo não lhe interessa mais.
- Pensem o que quiserem. Pra mim, bom mesmo é discurso de baiano.
E há casos patéticis. Tem uma crônica do Paulo Mendes Campos em que ele conta de um amigo que sofria de pressão alta e era orbigado a fazer uma dieta rigorosa. Certa vez, no meio de uma conversa animada de um grupo, durante a qual mantivera um silêncio triste, ele suspirou fundo e declarou:
- Vocês ficam aí dizendo que bom mesmo é mulher. Bom mesmo é sal!
Com a chamada idade madura, embora persista o consenso de que nada se iguala ao prazer, mesmo teórico, do sexo, as necessidades do conforto e os pequenos prazeres das coisas práticas vão se impondo.
- Meu filho, eu sei que você, aí tão cheio de vida e de entusiasmo, não pode compreender isso. Mas tome nota do que eu vou dizer porquê um dia voc~e concordará comigo: bom mesmo é escada rolante.
E assim é a trajetória do homem e seu gosto inconstante sobre a Terra, do colo da mãe, que parece que nada, jamais, substituirá, à descoberta final de que uma boa poltrona reclinável, se não é igual, é parecida. E que bom, mas bom mesmo, é não precisar ir a lugar nenhum, mesmo sem febre.

Luis Fernando Veríssimo - Novas Comédias da Vida Privada


[Bom mesmo é acordar toda manhã e ter o poder de dizer o que está bom ou não!]

quinta-feira, 6 de março de 2008

Desbocado


Sexta, sábado e domingo.
A mistura das essências que passaram-se do dia 25 de fevereiro ao dia 02 de Março resumem-se em 3 dias.
A ausência de um lado, a exposição escrachada de outro e a aventura no meio. Ménage à trois daqueles que te fazem estourar umas pipocas pra ver o que vai dar no final. Foi típico do que se passa por aqui apenas de passagem e quando percebe-se já está devaneando. Aqui sentado estavam duas bandas que tocavam tuts tuts e pléim pléim, e eu, sem saber, escutava a que cheirava melhor, tanto é que quando os seus pés pisaram fora daqui eu continuei sentindo o perfume, que além de em todo lugar, estava na minha gola.
Definitivamente, Moreira Cabral e Kubitschek deveriam ter dado um intervalo menor entre certas terras.

É incrível como eu consigo puxar um papo comigo mesmo.