O palhaço do circo imaginário capengava entre seus sonhos e a realidade. A função de fazer as pessoas rirem transformou-se em objetivo de vida e as tristezas apagadas transformaram-se em sua benção. Ele, que teve uma infância difícil, de alimentos miúdos e dificuldades fatídicas, questionava a verdade do ser humano e até onde poderiam caminhar a bondade e a maldade de mãos dadas. E ele passava por caminhos estreito, para não dizer ‘’mal’’. A lona do picadeiro já se mostrava como sua epiderme e os trombones tomavam suas cordas vocais. Mãos, braços, pés e pernas embrenhavam-se em elásticos; cordas e chicotes de pouco em pouco afagavam toda a grandiosa estrutura circense.
Sua platéia, a partir de um certo momento, se repetia, como um só rosto num labirinto de espelhos. Suas risadas, suas palmas, o seu agito e a sua atenção soavam sempre da mesma maneira como em um unísono de uma flauta envergonhada. O palhaço do circo imaginário tinha amor pelo que fazia, mas o seu amor já não era o bastante para inspirá-lo a conquistar novos horizontes. Toda a sua alma e corpo estavam fadigados pelo descaso e os seus pensamentos iam mais longe que uma noite sem fim. Em um dia que, aparentemente , seria mais um passar de ponteiros e passos, recebeu uma visita de uma fã, uma espectadora que em algum dia pretérito teve a alegria de assistí-lo em um de seus milhares de espetáculos. Ele instalava-se em um quartinho improvisado que sempre era armado ao lado do circo em suas viagens e por mais transitório que fosse sempre era o seu quarto, seu aconchego, seu afago...
A moça, em um começo de um diálogo tímido, porém enfático, disse-lho que não entendia o porquê de da sua persistência em um circo que não lhe dava mais atenção, que causava-lhe constragimento e descaso - ela que percebera isso por trás da maquiagem e do riso amarelo, apesar de ao mesmo tempo o contundido homem estar entretendo o público. O palhaço do circo imaginário, que sumia de pouco em pouco encolhendo-se nos por dentro dos ombros, disse sufocadamente:
- É amor...
Então ela estendeu a sua mão clara, de aproximadamente 25 anos de idade e um tato jovial de uma pluma, e afagou seu rosto cansado das arapucas da vida. Um ato tão simples e tão sincero fez com que a alma do artista se elevasse e em segundos de milésimos; se sentiu um deus, uma lenda, uma pessoa de verdade, igual as outras, mas agora se sentia até mais que isso, ele fora amado e reconhecido por ser simplesmente por quem ele era! Que estupendo! Era como se o mundo acolhesse seus pés, como um cão que pede carinho. Conversaram muitos minutos após e a moça delicadamente foi embora, mas deixou um belo vestígio de si naquele canto da mente do alegre moço. Depois desse acontecimento os dois voltaram a se ver muitas vezes, ficaram amigos, parceiros e em conseqüência de tantas trocas de experiências, como se não bastasse, tranformaram-se num par único. O palhaço do circo imaginário ainda capenga entre seus sonhos, mas convenhamos que todos o fazemos, a diferença é que ao cair sempre existe uma mão com dedos e intenções únicas para levantá-lo. O palhaço do circo imaginário não se sente mais maculado entre o bem e o mal, porque, pra ele, somente a luz do picadeiro é suficiente, e luz é sinônimo de bondade. O palhaço do circo imaginário sou eu, é você, somos todos nós.
[a não expressão de um verdadeiro amor é o caminho mais curto para a tristeza]